A chef japonesa que “veste” suas sobremesas
A chef japonesa Natsuko Shoji “veste” suas sobremesas de elegância, como se fossem peças de alta costura. Foi graças à ideia de se inspirar na moda, criando tortas de frutas dignas de adoração na passarela, que Natsuko foi eleita a melhor chef de confeitaria da Ásia de 2020, pela revista britânica “Restaurant”.
Com design emprestado muitas vezes de bolsas da Chanel e da Louis Vuitton, suas tortas doces variam de US$ 200 a US$ 2 mil. “Eu e minha mãe sempre gostamos muito de moda. Quando eu era criança, ela me levava aos desfiles, o que acabou me influenciando na cozinha também”, conta Natsuko, de 32 anos, no documentário “The Pursuit of Perfection”.
Ainda sem data para chegar ao Brasil, o filme que retrata a sua trajetória foi uma das atrações na recente 69ª edição do Festival Internacional de Cinema de San Sebastián, na Espanha. Com direção de Toshimichi Saito, o título integrou a programação da mostra paralela Culinary Zinema, em que as sessões de filmes são seguidas de jantares temáticos.
“O que faço é acompanhar as tendências da moda e traduzi-las no universo da confeitaria, usando principalmente frutas para vestir as tortas”, conta a chef, em depoimento no filme. Uma de suas especialidades é a torta de manga, sempre disputada pelos clientes como se fosse uma bolsa recém-lançada por grife famosa, já que Natsuko produz apenas 200 por mês.
“Foi a primeira torta que criei. Ela é feita com uma base de biscoito sablé, creme inglês e lâminas de manga em formato de rosas, destacando a beleza da fruta”, diz ela, adepta das técnicas francesas de confeitaria. Do Japão, ela carrega a “obsessão pelos detalhes”.
O que mais impressiona é a precisão e o refinamento de cada sobremesa que a chef cria. Cortada em lâminas perfeitas, a manga toma forma de uma rosa desabrochando e ganha, como toque final, uma delicada borboleta de açúcar e uma folha de ouro.
Outro destaque entre as tortas mais pedidas é a de pêssego. A inspiração aqui foi a clássica bolsa de couro matelassê (acolchoado) da Chanel, uma das favoritas da mãe de Natsuko. Como a técnica de costura cria pequenos losangos na bolsa, a chef cortou os pêssegos no formato e os arrumou em design semelhante na cobertura.
“Cada torta é feita à mão. Só uso ingredientes de alta qualidade. Só usando o melhor é que você consegue atingir o melhor resultado”, conta Natsuko, que até hoje escolhe cada fruta a dedo para manter o padrão de excelência de suas criações. Cada peça ganha uma caixa, igualmente feita à mão, que lembra a embalagem de joias.
A torta de manga quadrada (de 14 cm) sai por quase 22.500 ienes japoneses (cerca de US$ 200 ou R$ 1 mil), com a necessidade de fazer reserva para a retirada pelo site. Dependendo da fruta utilizada e do tamanho da torta, a sobremesa pode sair por até US$ 2 mil (sempre por encomenda).
O fator de exclusividade já começa pelo restaurante de Natsuko, o été (palavra francesa para verão), um espaço de culinária franco-japonesa de apenas uma mesa, com seis lugares. A lista de espera é longa, já que ela atende apenas 12 clientes por dia, contando almoço e jantar.
Uma mesa para seis pessoas, com cada uma delas levando uma torta para casa, sai por US$ 400 por cabeça. Se o restaurante é reservado por um cliente só, ele paga cerca de US$ 2,2 mil pela mesma experiência.
Instalado em Shibuya, no coração de Tóquio, o été trabalha com menu de degustação composto de nove pratos salgados e apenas uma sobremesa. “Adoro cozinhar. O meu sonho sempre foi ser chef e não apenas chef de confeitaria”, conta Natsuko.
Com a indústria da gastronomia dominada por homens no Japão, a chef quer servir de exemplo para que outras mulheres conquistem seu espaço. “As chefs ainda não minoria no país. No geral, são poucas as mulheres japonesas que, em vez de se casarem, decidem dedicar a vida a uma paixão.”
Natsuko usa a sua trajetória para encorajar outras jovens chefs. “Minha mãe ficou preocupada quando eu fiz um empréstimo no banco para abrir o meu negócio. Mas não é preciso tanto dinheiro assim. Dá para começar pequeno, com o sucesso medido pelos clientes que você vai conquistando aos poucos.”
Inicialmente, a chef abriu a butique de tortas doces, batizada de Fleurs d’été, em 2014. Conforme a popularidade das sobremesas cresceu é que ela teve a ideia de começar a convidar os seus clientes para jantares especiais.
Daí nasceu o restaurante été, em 2015, que ela prefere manter com uma única mesa, para continuar tendo controle total sobre tudo o que serve. E até hoje só quem compra a torta pode desfrutar do privilégio de se sentar no seu restaurante.
Natsuko passou a se interessar por culinária no ensino médio, durante na aula de economia doméstica. Ela ficou encantada ao aprender a fazer a massa choux (base para éclairs, carolinas e profiteroles), em que o vapor é o responsável pelo crescimento da massa (e não o fermento), deixando o interior oco.
Ao reproduzir a sobremesa em casa, servindo-a aos familiares e amigos, o sucesso foi tão grande que ela nunca mais abandonou o avental. “Cozinhar é uma arte. Dar 100% é o devido. Mas dou 2.000%. Eu sou a minha maior rival”, diz Natsuko.